Chegou a hora de o Brasil colocar o dedo em uma de suas grandes feridas expostas: a exploração sexual infantil provocada pela fome e pela miséria em várias regiões do país. Uma delas é o arquipélago do Marajó, no Pará.
A exploração infantil em Marajó – sempre jogada para debaixo do tapete – voltou com força ao noticiário esta semana, depois que a cantora paraense Aymeê denunciou a situação ao cantar a música Evangelho dos Fariseus, no show gospel Dom Reality, na última sexta-feira (16).
A música e a falas de Aymeê sobre o tráfico de orgãos e os vídeos de crianças pulando de barcos “para se prostituírem por R$ 5,00” viralizaram nas redes sociais.
100 MIL CRIANÇAS
As denúncias sobre a precária situação das crianças de Marajó, que envolvem ainda trabalho escravo, são antigas. Houve até uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados, entre 2005 e 2009, que trouxe números impactantes:
100 mil crianças paraenses sofreram abusos, violências ou exploração sexual, 18% delas entre 6 e 10 anos de idade.
A CPI revelou ainda o envolvimento de políticos locais nos casos, que atuavam como aliciadores, levando meninas para prostituição em Belém e na Guiana Francesa.
DOCUMENTÁRIO
Nada disso é novidade. Muitas dessas imagens e denúncias estão em um documentário da Record TV, de 2017, cujas matérias circulam nas plataformas sociais, como YouTube.
ASSISTA AO VÍDEO AQUI
As reportagens trazem imagens fortes, revelando que a situação de extrema pobreza leva crianças a se prostituírem em troca de comida, dinheiro e até mesmo de óleo diesel, considerado na região “ouro negro”.
O preço é tão alto que muitas famílias precisam escolher entre comprar diesel ou comida. Assim, as crianças viram mercadoria de troca.
À época, quatro jornalistas da emissora passaram quatro meses investigando e divulgando a precária situação infantil em Marajó, a maior ilha costeira fluviomarítima do planeta.
Essas denúncias também envolvem o trabalho escravo das crianças promovido por fazendeiros locais.
POBRE ESTADO RICO
Na série especial de reportagens, é mostrado também que o Pará é rico, grande exportador de minério, de sementes e de frutas, mas pouca dessa renda fica no estado.
E mais: Marajó abriga o município com o menor Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil.
Um dos vídeos exibidos pela Record TV é resultado de uma investigação policial. Ele mostra cinco meninas perseguindo de canoa uma balsa carregada de caminhões para realizar pequenos negócios. Eles podem incluir trocas de mercadorias e de favores sexuais.
A procuradora do Ministério Público, Monica Freire, afirmou aos jornalistas da emissora que as próprias famílias induzem suas crianças a irem até os rios.
PERSEGUIÇÃO
Mas, até agora pouco ou nada se fez. Ao contrário: os que tentaram agir foram ferozmente perseguidos e até mesmo acionados judicialmente.
A senadora Damares Alves, então ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, denunciou a venda de orgãos e exploração infantil em Marajó.
Damares também lançou a campanha Abrace Marajó para implantar ações sociais que minimizassem a fome local, combatendo assim o principal fator da exploração sexual infantil.
Ela foi massacrada pela grande mídia, pela classe artística – como Xuxa -, perseguida e desmoralizada sob a alegação de que não tinha provas. As autoridades fizeram algo para ao menos apurar suas denúncias?
Fizeram. Damares virou alvo de uma ação movida por 19 procuradores da República, que solicitava a ela e à União uma indenização de R$ 5 milhões “por divulgar fake news” sobre a região.
A ação argumentava ainda que ela estaria usando a “narrativa” para beneficiar a reeleição do então presidente Jair Bolsonaro.
Porém, o que acontece em Marajó vai muito além da disputa político-ideológica: é uma barbaridade contra as crianças e contra a fome imposta neste rico país.
Se você assistiu e se impactou com o filme Sound of Freedom, sobre o tráfico infantil, chegou a hora de lutar pelo enredo, igualmente real, que se desenrola cruelmente em nosso quintal.
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