DIÁRIO DO APAGÃO: FIQUEI 70 HORAS SEM LUZ EM SÃO PAULO!

   Será que estamos preparados para as grandes catástofres que estão ocorrendo, e devem se intensificar, no planeta? Passei as 70 últimas horas sem energia elétrica, vivendo em São Paulo, a maior cidade da América Latina. E, mais uma vez, tive a certeza de que a maior tragédia que enfrentamos são os precários serviços públicos essenciais de um país cujos os custos e os impostos são alguns dos mais altos do mundo.

   Ao contrário do que ocorre em vários países, inclusive da própria América Latina, aqui não existe plano de emergência para situações  provocadas por fenômenos naturais. É tudo na base do improviso, o tal do “jeitinho”. 

  E quando o vendaval vem na véspera de um feriadão, com todas as autoridades viajando e os serviços essenciais em esquema de plantão? O cidadão fica no vácuo e no nosso caso no mais profundo breu.

  O sufoco dos paulistanos começou na tarde da última sexta-feira (3) quando um vendaval, com ventos de 104 km/h, provocou o maior apagão na história da cidade. A luz desapareceu das nossas casas às 16h e na minha só voltou às 14h15 desta segunda-feira.     

    Foram 70 horas sem comunicação – o sinal do celular caiu 90%. Como tudo na nossa vida hoje está conectado à internet, as dificuldades foram aumentando à medida que as horas passavam. E elas foram as mais longas e desafiadoras dos últimos tempos.


LOCKDOWN PELO AVESSO  

A minha sensação era a de estar vivendo um lockdown pelo avesso. Ou seja, se na pandemia a gente precisava ficar em casa, agora a necessidade era sair de casa em busca de um lugar que tivesse uma tomada elétrica para carregar o celular. 

  O apagão afetou cerca de 2,2 milhões de pessoas na cidade, fechou o parque Ibirapuera, o comércio, restaurantes e serviços durante todo o fim de semana. Grandes supermercados precisaram alugar geradores para minimizar os prejuízos e abastecer a população. Quem vai pagar essa conta? Ninguém, é claro!

   Um dos principais motivos para a falta de energia foram as mais de 1,5 mil árvores -algumas delas gigantes- que caíram sobre a fiação desordenada e aparente espalhada pela cidade inteira. Outros desses absurdos que ninguém consegue resolver!

  No sábado, após 24 horas, a concessionária responsável pelo serviço -no meu caso a Enel São Paulo – disse que não tinha ainda mínima ideia da extensão do apagão. E a previsão mais otimista apontava para o retorno só na terça-feira. Ou seja: despreparo total para lidar com a situação, inclusive no que diz respeito a informações.

  Óbvio que o call center da empresa não deu conta das chamadas e caiu. Nem a sua inteligência artificial funcionava no whattsapp. A cada contato, pedia o cpf, mas não o localizava. Cheguei a passar o meu umas dez vezes, totalmente em vão. O prefeito da metrópole também estava desaparecido. E os cidadãos no escuro, literalmente! 

   Além de todo o transtorno doméstico, os semáforos estavam apagados nas ruas, trazendo sérios riscos ao trânsito. Ficamos também sem nossos sistemas de segurança -alarmes, câmeras e cercas elétricas -, colocando em perigo nossas vidas. E árvores gigantes tombadas no meio da rua sitiaram moradores em suas casas.

  A Prefeitura não podia retirar as árvores até que a Enel desligasse os fios de alta tensão. E este foi o maior e mais terrível problema: onde estava a Enel? Não se via um caminhão da empresa nos bairros afetados. 

  Por não ter um plano de contingência, a concessionária também não tinha funcionários suficientes para fazer o serviço durante o final de semana. Para mim, o maior dos absurdos. Em um país sério, ela perderia a concessão. Mas, aqui, tudo bem -sempre há um recurso na Justiça e não se fala mais nisso.

  BOAS LIÇÕES 

   Para mim os últimos quatro dias foram de grandes desafio, mas também me trouxeram bom aprendizado.

  Sobrevivi ouvindo música e notícias no velho rádio de pilhas, acabei com o estoque de velas que tinha em casa, li livros no leitor digital (este sim com bateria de longa duração), usei lanternas e saí para comprar fósforos e treinei a paciência -hábitos que estavam completamente adormecidos. 

   A tecnologia é maravilhosa, mas sem energia elétrica ela nos deixa nus. Como provavelmente essa situação vai se repetir – a temporada de chuvas de verão mal começou – , os nossos serviços essenciais não melhorarão, as raízes das árvores estão podres pelo excesso de concreto e a metrópole não tem planos de emergência, acho melhor você deixar reservado o seu kit apagão.

  Aquela história de que o Brasil não tem furacões, ciclones e tsunamis já não vale mais. As catástrofes chegaram -e salve-se quem puder!