POR ALAIN ROUSSEAU
É a exposição mais brasileira da temporada: Tarsila do Amaral, Peindre le Brésil Moderne (Pintura do Brasil Moderno). E a maior retrospectiva da artista modernista na França, país que ela visitava constantemente desde 1922, data de sua primeira visita.
Nada mais natural, portanto, que Paris prestasse (finalmente!) uma homenagem à artista que nunca deixou de estabelecer vínculos entre o Brasil e a França, sublimando as vanguardas dos dois países.
A mostra está no Museu de Luxemburgo, ao lado do jardim homônimo, onde ficará em cartaz até 2 de fevereiro de 2025. Há visita guiada em cinco mesas.
AUTORRETRATO (MENTEAU ROUGE), UM CAIPIRINHA VESTIDO POR POIRET

“Lembro-me de Tarsila no teatro Trocadero, com uma capa escarlate forrada de cetim branco. Em Paris, onde as pessoas se vestem com discrição, a vaidade de Tarsila causou sensação. Ficamos extasiados na contemplação da obra-prima de Tarsila, que é a sua personalidade! Tarsila está vestida de arte”, Oswald de Andrade.
Esses depoimentos da época mostram o cuidado que Tarsila tinha com sua aparência, incluindo a elegância de suas roupas. O casaco vermelho de Patou que ela usava em eventos sociais parisienses identificava tanto a artista, que deu título a um de seus autorretratos mais conhecidos, tirado quando Tarsila era estudante no estúdio de Lhote (primavera de 1923).
CARNAVAL EM MADUREIRA

Em 1924, com seus amigos modernistas, Tarsila visitou o Rio de Janeiro durante o Carnaval. Em Madureira, um bairro operário da cidade, ela descobriu uma réplica de madeira da Torre Eiffel, uma homenagem ao aviador brasileiro Alberto Santos Dumond, que havia pilotado um dirigível sobre os céus da Cidade Luz em 1906. Enquanto brinca com o desconcertante deslocamento desse símbolo parisiense nos subúrbios brasileiros, Tarsila se apropria do tema do carnaval, uma cultura popular, como um assunto nacional. Para Tarsila, esse bairro da classe trabalhadora do Rio de Janeiro personificava um espaço ideal e romântico no qual elementos díspares e até mesmo contraditórios poderiam coexistir sem
conflito.
A CUCA
Em uma paisagem verdejante, Tarsila diz ter reunido “um animal estranho, um sapo, um tatu e outro animal inventado”. No folclore brasileiro, a Cuca é um temível bicho-papão, e os personagens que Tarsila diz ter inventado são, na verdade, extraídos de motivos indígenas que a artista estuda em museus etnológicos. Essas mesmas fontes inspiraram um projeto de figurino para um “balé brasileiro” (nunca realizado) com libreto de Oswald de Andrade e música de Heitor Villa-Lobos, inspirado nos famosos balés russo e sueco.

OPERÁRIOS

Após o crash de 1929, separada de Oswald de Andrade, Tarsila interessou-se pelo modelo econômico e social promovido pelo governo soviético graças a Osório César, um jovem médico e intelectual de esquerda. Uma viagem à URSS e suas ideias políticas – que o levaram à prisão em 1932, durante o governo de Getúlio Vargas – moldaram o conteúdo e o estilo de suas pinturas, que seguiam os preceitos do “realismo social”. Isso se reflete na principal pintura militante de Tarsila, cuja composição diagonal é inspirada em um pôster da artista soviética Valentina Kulagina. A celebração da mistura étnica do povo brasileiro, já evocada nas obras da década de 1920, assume uma conotação verdadeiramente social
nessa homenagem à classe trabalhadora de São Paulo, representada por esses rostos de todas as origens contra o pano de fundo de uma paisagem industrial.
A METRÓPOLE
Entre 1920 e 1960, a paisagem brasileira mudou consideravelmente, assim como sua representação. Como resultado de uma nova onda de migração do Nordeste e da pressão do desenvolvimento imobiliário, os arranha-céus logo se espalharam para além do centro da cidade e para os bairros periféricos. A artista retrata os arranha-céus que agora formam o horizonte da cidade em tons de cinza, azul e violeta, em uma linguagem quase abstrata que parece ecoar as geometrias experimentais dos jovens artistas com quem ela dividiu as salas das Bienais de São Paulo e Veneza nas décadas de 1950 e 1960.

VOCÊ SABIA?
Os Années Folles (loucos anos 20) em Paris com o som do Brasil. Em 1922, os primeiros sambas ecoaram pelos clubes de Pigalle, tocados pelos músicos negros dos Batutas, que transitavam entre jazzistas e bandas ciganas. Na Madeleine, a vanguarda artística disputava posição no Boeuf sur le toit, um cabaré com nome carnavalesco inspirado em um balé brasileiro de Darius Milhaud. O Brasil, cantado por
Blaise Cendrars e Tarsila do Amaral, era também a terra dos sambistas, dos dançarinos
sociais e do black’s step que faziam vibrar a Paris negra dos loucos anos vinte.

ALAIN ROUSSEAU tem dois amores: Paris e Brasil. Vive na capital francesa hás 30 anos, mas morou e trabalhou em São Paulo durante oito anos. Nunca mais se desligou do país. Apaixonado por arte e gastronomia, ele é o que os franceses chamam de bon vivant, alguém que gosta de descobrir novidades e que vai trazê-las aqui toda semana.