Só mesmo a Mangueira e, claro, sua homenageada, Maria Bethânia, para me fazer ficar acordada até as 6h30 da manhã na madrugada desta terça (9), assistindo ao desfile da Estação Primeira, do começo ao fim.
Nem mesmo quando ia à Marquês de Sapucaí para cobrir o Carnaval do Rio, debruçada nos camarotes ou no meio da pista, conseguia tal façanha. Escola de samba parece sempre tudo igual. Quem vê uma, vê todas, com pequenas variações.
Mas, a expectativa de ver Bethânia pela primeira vez na avenida, como a grande estrela da noite, me manteve acesa, empolgada até o final, querendo registrar cada momento da passagem desta menina dos olhos de Oyá (Iansã, no cadomblé, e Santa Bárbara, para os católicos) junto a seus amigos da MPB e da comunidade, todos muito emocionados por homenageá-la.
E olha que o carro dos amigos era puro poder. O mano Caetano Veloso, Ana Carolina, Mart´nália, Regina Casé, Renata Sorrah, Adriana Calcanhoto, Vanessa da Mata, Beth Carvalho, que voltou à avenida depois de dois anos, e Alcione e Rosemary sambando no chão, entre outros. O carro alegórico ficou pequeno para essa turma de peso. Cauã Reymond estava divino em seu terno cor de rosa!
A ala inspirada na música Explode Coração, grande sucesso na voz da cantora |
A Mangueira já mexe naturalmente com as pessoas. Faz parte da tradição. Sua bateria afinadíssima faz o coração da gente bater mais forte; ninguém consegue ficar sem se mexer ou se emocionar quando a escola aponta na avenida. Mas este ano, o desfile foi além.
Uma luz enorme se irradiou pela Sapucaí – e ela não vinha apenas das fantasias luxuosas, dos carros alegóricos, das alas coloridas e criativas, que juntavam ali cerca de 3,9 mil integrantes, para contar a trajetória da cantora, que está comemorando 50 anos de carreira. Essa luz irradiava magia e foi tomando conta de todos à medida que a escola desfilava.
A homenagem a Oxum, com banho de cachoeira |
A porta-bandeira, de cabeça raspada |
A Iansã, no ritmo do samba da Mangueira |
O começo do desfile foi um verdadeiro ritual, com Iansãs, Oxuns, tomando banho de cachoeira (havia muita água na pista) e todos os arquétipos da cultura afro. Na comissão de frente, só mulheres, as Oyás, com os seios de fora, mas não de forma vulgar. Estavam lindas. A porta-bandeira, de cabeça raspada (em alusão às filhas de santo), causou impacto.
O Menino Jesus |
Lá pelo meio vieram os santos de devoção de Bethânia, uma herança da mãe Dona Canô, e os símbolos de Santo Amaro da Purificação, terra natal da família. O menino Jesus dividia espaço com a ala de crianças representando Cosme e Damião. Orixás e santos católicos no mesmo ritmo!
Foto Tata Barreto/Riotur |
E, no final, entre muitas Marias e muitas canções, explode coração. Lá vem a Abelha-Rainha, vestida de dourado, cantando e interpretando exatamente como ela faz nos palcos. Emocionada, mas extremamente humilde, reverenciava a escola e o público pela homenagem.
Era o último desfile da noite e do Carnaval deste ano. O dia já estava quase raiando quando a escola chegou à apoteose. O público saiu das arquibancadas e foi para as pistas, assumindo o papel de passistas, afinal atrás da verde e rosa só não vai quem já morreu.
Cena bonita de alegria, de raízes da MPB, de sincretismo religioso, sem segregação, como tem que ser. A campeã do desfile será conhecida nesta quarta-feira de cinzas (10). Mas a Mangueira já é vitoriosa, nos quesitos alto astral e emoção, além de ter levado o prêmio Estandarte de Ouro como a melhor escola, do jornal O Globo.
Salve a menina dos olhos de Oyá!