ALAIN EM PARIS: O OUTONO É SURREAL!

A grande exposição do movimento surrealista, criada no formato de um labirinto, faz sucesso na nova temporada!

Por ALAIN ROUSSEAU

Para comemorar os 100 anos do Surrealismo, Paris relembra esse importante movimento artístico em uma exposição, no Centre Georges Pompidou, construída como um labirinto com 13 temas da abordagem surrealista, entre elas hino à noite, floresta, quimeras, sonhos. A mostra ficará em cartaz até 13 de janeiro de 2025.

Posso dizer que é um verdadeiro sucesso, sendo ao mesmo tempo educativo e divertido, porque abrange o movimento surrealista desde suas origens até a década de 1960, misturando figuras conhecidas como Salvador Dali, de Chirico, Max Ernst e Magritte, para citar apenas alguns, com artistas menos conhecidos. Reabilita ainda muitas mulheres artistas, como a americana Dorothea Tanning e a brasileira Maria Martins, sem esquecer a fotógrafa Dora Maar.

Entrada da exposição Fotos Alain Rousseau

O surrealismo nasceu no início do século 20, após a revolta do movimento Dada no final da Primeira Guerra Mundial. O movimento exibia os processos criativos e expressivos (pintura, desenho, música, fotografia, cinema, poesia, narração de histórias etc.), usando todas as forças psíquicas (automatismo, sonhos, inconsciente), livre do controle da razão e lutando contra os valores aceitos. Assim, sua grande característica é a transdisciplinaridade (poesia, pintura, objetos, colagem, cinema, figurino etc.) e também a ampla colaboração entre seus membros.

CONCEITO

Em 1924, o filósofo André Breton o definiu no primeiro Manifesto do Surrealismo como “puro automatismo psíquico, por meio do qual nos propomos a expressar, seja verbalmente, por escrito ou de qualquer outra forma, o funcionamento real do pensamento. Ditado do pensamento, na ausência de qualquer controle exercido pela razão, sem qualquer preocupação estética ou moral […]”.

O surrealismo baseia-se na convicção de que há uma realidade mais elevada em certas formas de associação que foram negligenciadas até agora, como a onipotência dos sonhos e o jogo desinteressado do pensamento.

Nascido em Paris, o surrealismo se espalhou pela Europa, chegou aos Estados Unidos e se estendeu até o Japão, passando pelo México e pela Argentina. É preciso dizer que, embora não tenha havido uma vertente brasileira propriamente dita, sua influência pode ser encontrada no movimento modernista, nas pinturas de Tarsila de Amaral, por exemplo. Isso sem falar nas esculturas da mineira Maria Martins, redescobertas há dez anos em uma exposição no MASP, em São Paulo, e cujo bronze está agora em exibição em Paris.

MELHORES MOMENTOS

Fui conferir a exposição e trago aqui algumas de minhas obras favoritas.

Retrato (Premoitório) de Guillaume Appolinaire, de Giorgio de Chirico

Criado em 1914, o universo metafísico de Chirico e o uso de símbolos referentes a Orfeu são considerados precursores do surrealismo. A pintura é um retrato do poeta francês Guillaume Apollinaire, amigo do pintor italiano.

Embora essa pintura a óleo e carvão sobre tela tenha sido originalmente chamada de Homme-cible1 (e seu título definitivo foi dado somente após a lesão de Apollinaire), ela pode ser considerada premonitória. Esse poder de premonição fascinou os surrealistas, que receberam Chirico como um dos seus antes de se separarem em 1929.

La Durée Poignardée (A Duração da Punhalada), de René Magritte

A pintura, de 1938, explora o conceito de enigma de Magritte. Pintada em um estilo hiperrrealista, com contrastes fortes e bem definidos, retrata uma lareira de mármore branco da qual uma locomotiva escapa, com seu vapor subindo pela chaminé. Em seu console, há dois castiçais e um relógio refletido em um grande espelho. A paleta de cores é limitada: brancos e cinzas para o relógio, a lareira, a locomotiva e o espelho, marrons para o piso e as paredes, amarelo/dourado para a borda do espelho e os castiçais. A iluminação vem da direita, dando a impressão de que o trem está esfaqueando todos que passam na frente dele.

Mesa do lobo, de Victor Brauner

Criada pelo artista romeno Victor Brauner, essa escultura representa uma mesa com a cabeça de uma raposa vermelha morta. Os testículos da raposa são formados por sua pele.

A pintura também é feita de sangue de raposa e tinta a óleo marrom. E foi apresentada ao público em uma exposição sobre surrealismo na galeria Maeght em 1947.

Femelle-Miroir II, de Simon Hantaï

Pintada em 1953, esta é uma de uma série de obras fantásticas de bestiários. Elas são feitas de ossos de animais e de peixes, além de plantas.

Les Belles Vacances, de Jane Graverol

Membro do grupo surrealista belga, Jane Graverol se inspirou nos retratos flamengos dos séculos 16 e 17, que aparecem em um fundo preto, com diferentes camadas de esmalte que lhes dão grande luminosidade.

Nessa obra, a autora retrata dois plânctons observados sob um microscópio, cuja forma lembra órgãos reprodutivos. Esses organismos permanecem como símbolos da androginia e do hermafroditismo, sinônimos de um estado do mundo no qual o feminino e o masculino são indistinguíveis.

Daphne e Appol, de Meret Oppenheim

Meret Oppenheim foi uma das poucas mulheres a estar presente no início do movimento surrealista na década de 1920. 

Em sua pintura “Daphne und Apollo”, a artista retrata duas figuras transformadas em árvores. No tradicional mito grego, a ninfa Daphne se transforma em um loureiro para escapar dos avanços indesejados do deus Apolo.

Mas nas mãos de Oppenheim, Apolo também é transformado, tornando-se marrom e parecido com uma batata, enquanto insetos zumbem ao redor de seu tronco.

A Floresta, de Max Ernst

Herdeiro do dadaísmo, o precursor do surrealismo, Max Ernst foi um dos principais artistas do movimento. Ele usou a técnica de fricção que ele mesmo inventou.

A superfície pintada é colocada úmida sobre tábuas e vários objetos e raspada com uma espátula de pedreiro ou uma faca. Em seguida, uma floresta imaginária emerge dos veios da madeira. Iniciado em 1925, o ciclo Forests tem suas raízes na imaginação romântica alemã. A floresta que se ergue aqui como uma paliçada impenetrável também é uma metáfora do inconsciente.

ALAIN ROUSSEAU tem dois amores: Paris e Brasil. Vive na capital francesa hás 30 anos, mas morou e trabalhou em São Paulo durante oito anos. Nunca mais se desligou do país. Apaixonado por arte e gastronomia, ele é o que os franceses chamam de bon vivant, alguém que gosta de descobrir novidades e que vai trazê-las aqui toda semana.

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