A censura está sufocando as Américas? Na última sexta-feira (18), enquanto o Brasil se indignava com a suspensão do aplicativo Telegram em todo país por uma decisão monocrática de um ministro da Suprema Corte, o The New York Times publicou um editorial contundente sobre a perda de liberdade de expressão nos EUA.
“Apesar de toda a tolerância e esclarecimento que a sociedade moderna reivindica, os americanos estão perdendo um direito fundamental como cidadãos de um país livre: o direito de falar o que pensam e expressar suas opiniões em público sem medo de serem envergonhados ou evitados.”, diz o Times no editorial, cujo título é “América tem um problema de liberdade de expressão”.
Aqui, a situação é bem parecida e tem agravantes: estamos em um ano eleitoral, o sistema mostra-se claramente empenhado em evitar a reeleição do presidente Jair Bolsonaro e muitas decisões sobre censura partem da mais alta corte do país, à margem da Constituição, o que anula qualquer possibilidade de recurso ou defesa – algo que ainda não ocorre nos EUA.
Os que apoiam Bolsonaro são geralmente os mais censurados ou perseguidos e até mesmo presos inconstitucionalmente, situações que não afetam seus opositores, os quais ainda desfrutam de ampla liberdade de opinião.
Para piorar o quadro, temos jornalistas da grande mídia defendendo a censura, especialmente quando afeta o governo e seus apoiadores, algo também inédito no país, uma vez que a liberdade de expressão é a matéria-prima dos que trabalham com informação de forma profissional.
Não importa se a medida vá atingir milhares de pessoas que nem sequer estejam vinculadas à política ou a disputas de poder, como é o caso do Telegram, onde 70 milhões de usuários interagem para os mais diversos objetivos e serão atingidos por uma lei inconstitucional.
É óbvio que essa situação aumenta ainda mais as tensões e o editorial do maior jornal americano sinaliza o perigo:
“Esse silenciamento social, essa despluralização da América, é evidente há anos, mas lidar com isso desperta ainda mais medo. Para uma nação forte e uma sociedade aberta, isso é perigoso.”
Segundo o texto, essa situação de extremos ocorre em grande parte porque tanto a esquerda quanto a direita “estão presas em um ciclo destrutivo de condenação e recriminação em torno da cultura do cancelamento”.
E acrescenta:
“Muitos da esquerda se recusam a reconhecer que a cultura do cancelamento existe, acreditando que aqueles que se queixam dela oferecem cobertura para intolerantes divulgarem discurso de ódio. Muitos da direita, apesar de toda a gritaria sobre a cultura do cancelamento, abraçaram uma versão ainda mais extrema da censura como um baluarte contra uma sociedade em rápida mudança, com leis que proibiriam livros, sufocariam professores e desencorajariam discussões abertas nas salas de aula.”
Então, as pessoas estão (compreensivelmente) confusas sobre o quê podem dizer e onde podem dizer, pontua o Times. E as mídias sociais canalizam o conflito de forma exacerbada, porque hoje representam a voz do mundo.
O editorial diz ainda que “as pessoas devem ser capazes de apresentar pontos de vista, fazer perguntas, cometer erros e tomar posições impopulares sobre questões que a sociedade ainda está trabalhando – tudo sem temer o cancelamento”.
MEDO DE RETALIAÇÃO
As observações do jornal americano foram feitas com base em nova pesquisa nacional, encomendada pelo Times Opinion e pelo Siena College.
A pesquisa descobriu que, para 84% dos entrevistados adultos, é um problema “muito sério” ou “um pouco sério” que alguns americanos não falem livremente em situações cotidianas por medo de retaliação ou críticas severas.
Mais da metade (55%) disseram que se calaram em 2021 porque estavam preocupados com retaliação ou críticas duras. As mulheres eram mais propensas a relatar isso – 61%, em comparação com 49% dos homens.
A pesquisa mostrou ainda que os republicanos (58%) eram ligeiramente mais propensos a fechar a boca do que os democratas (52%) ou independentes (56%).
“Ideias que não são contestadas por visões opostas correm o risco de se tornarem fracas e quebradiças, em vez de serem fortalecidas por um escrutínio rigoroso. Quando o discurso é sufocado ou quando os dissidentes são excluídos do discurso público, uma sociedade também perde sua capacidade de resolver conflitos e enfrenta o risco de violência política”, conclui o Times.