Mais uma gigante da indústria farmacêutica chinesa é acusada de pagar propinas a agentes reguladores de saúde para aprovação de suas vacinas.
Desta vez, é a Kangtai, que será a fabricante exclusiva na China continental da vacina da sueco-britânica AstraZeneca, feita em parceria com a Oxford. E poderão trabalhar juntas em negócios voltados a outros países.
Segundo o jornal The New York Times, a empresa é comandada por Du Weimin, que pagou US$ 44 mil em dinheiro a um agente regulador.
O executivo estava ansioso para aprovar as vacinas de sua empresa e precisava de ajuda. O funcionário pegou o dinheiro e prometeu fazer o melhor, de acordo com documentos judiciais de 2016, diz o jornal.
Meses depois, recebeu sinal verde para iniciar os testes clínicos para suas duas vacinas. Eles foram aprovados, gerando dezenas de milhões de dólares em receitas.
O funcionário do governo foi preso por aceitar subornos do senhor Du e de vários outros fabricantes. O executivo nunca foi acusado.
PRÁTICA COMUM
Ainda segundo o New York Times, as empresas farmacêuticas, ansiosas por colocar seus produtos nas mãos dos consumidores, têm usado incentivos financeiros para influenciar funcionários mal remunerados do governo para aprovações regulatórias.
“Centenas de autoridades chinesas foram acusadas nos últimos anos de aceitar subornos em casos envolvendo empresas de vacinas, de acordo com uma revisão de registros judiciais. As empresas e executivos envolvidos raramente enfrentam punições”, relata o jornal.
Enquanto o governo chinês pressionava para desenvolver empresas de vacinas de renome global, o estado fomentava e protegia uma indústria atormentada pela corrupção e polêmica, acrescenta.
A supervisão tem sido fraca, contribuindo para uma onda de escândalos sobre vacinas abaixo do padrão. Embora o governo, após cada incidente, tenha prometido fazer mais para limpar o setor, os reguladores raramente fornecem muitas informações sobre o que deu errado.
Muitas vezes, as empresas saem ilesas depois de pedir desculpas ou pagar uma multa e, em quase todos os casos, foram autorizadas a continuar operando.
Na semana passada, o laboratório Sinovac, que fabrica a Coronavac, e que já chegou ao Brasil, foi também acusado de subornar agentes reguladores em uma reportagem do jornal Washington Post.
Ray Yip, ex-chefe da Fundação Bill e Melinda Gates na China, disse que considera Kangtai uma das principais empresas de vacinas do país, acrescentando que “não tem problemas” com os padrões de fabricação e tecnologia.
“O problema para muitos deles é sua prática comercial”, disse o médico, que também liderou o escritório na China dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA.
“Todos eles querem vender para os governos locais, então têm que pagar propinas, têm que subornar. Esse é o calcanhar de Aquiles do negócio de vacinas da China”.
Em um comunicado, a AstraZeneca disse que “a segurança, eficácia e qualidade da vacina são de extrema importância, e a empresa fez parceria com organizações capazes e estabelecidas para ajudar a garantir um acesso global amplo e equitativo, sem lucro durante a pandemia.”
A fabricante Kangtai não respondeu a vários pedidos de entrevista feitos pelo jornal americano.
FALTA DE CONFIANÇA
A falta de transparência, agravada por práticas comerciais duvidosas, abalou a confiança do público nas vacinas feitas na China, embora tenham se mostrado seguras. Muitos pais preferem imunizar seus filhos com similares ocidentais, afirma o jornal.
Em 2013, 17 crianças morreram após as injeções com a vacina contra hepatite B, fabricada pela mesma Kangtai. Os reguladores inocentaram a empresa de irregularidades e a vacina continua a ser usada.
Porém, o governo não forneceu detalhes importantes sobre a investigação envolvendo as mortes ou as práticas de segurança da fabricante.
Ativistas que pediram maior rigor com as empresas farmacêuticas, incluindo a Kangtai, foram perseguidos, intimidados e detidos.
Preocupados com a ameaça à estabilidade social, as autoridades chinesas tentaram impedi-los de se organizar, fechando grupos de mídia social e monitorando suas comunicações, afirma o Times.
Yanzhong Huang, pesquisador sênior de saúde global do Conselho de Relações Exteriores, disse ao jornal que o escândalo de 2013 “levanta preocupações legítimas” sobre Kangtai.
“As apostas são muito altas. Imagine se um escândalo semelhante fosse relatado novamente na China. Não vai apenas abalar a confiança da empresa que fabrica a vacina, mas também vai prejudicar a reputação da própria AstraZeneca e de sua vacina”, afirmou o pesquisador.
Se existem tantas desconfianças na China, por que os brasileiros, especialmente os paulistas, não podem questionar quando um governador anuncia o plano de vacinação sem que a mesma tenha sida aprovada pela Anvisa?