Será que a inteligência artificial poderá mesmo substituir as interações humanas? O avanço acelerado da tecnologia já traz à tona debates, no mínimo, desafiadores: tem gente usando IA para fazer terapia, aliviar as tensões e fugir da angústia. Mas, será que isso realmente funciona?
A prática, inofensiva à primeira vista, começa a preocupar os profissionais de saúde mental. Fazer, por exemplo, consultas ao Chat GPT pode parecer cômodo e rápido para espantar a angústia, mas o problema continuará lá, alerta Izabella Melo, professora de psicologia do Centro Universitário de Brasília (CEUB). Para ela, as consultas ao robô criam dualidades entre o alívio imediato e o engano perigoso. E o problema continuará lá.
“Parece até mágica: você escreve, o robô responde e pronto, a dor parece que diminui. Mas isso não é terapia. É só catarse, aquele suspiro de alívio que vem depois do choro, mas não resolve o problema de verdade”, diz ela.
A especialista conta que vem observando dois tipos de comportamento relacionados à nova tendência.
Há indivíduos que tentam transformar o chatbot em um terapeuta de estimação, mesmo sabendo claramente que ele não é. Há ainda outro grupo de pessoas que já fazem terapia com profissionais e recorrem à IA como quem manda áudio para um amigo às 3h da manhã. “Pode ajudar a organizar as ideias e colocar para fora. Mas não substitui a escuta qualificada de um profissional”, alerta.
SEM LIMITES
O problema, segundo Izabella Melo, é que a IA não impõe limites, algo essencial em um acompanhamento terapêutico.
“O terapeuta vai acolher, mas também vai provocar, cutucar e questionar. É esse desconforto que leva ao crescimento. O robô, por outro lado, foi feito para agradar. Ele aprende com você como o deixar confortável e vai servir isso muito bem”.
Além do risco emocional, existe a questão ética presente no exercício da psicologia, acrescenta Izabella. “No consultório, o paciente tem garantias de sigilo, acolhimento e proteção. Com a IA, não se sabe para onde vão essas informações. Quem acessa, quem armazena ou quem lucra com isso”, questiona.
A docente ainda alerta que as inteligências artificiais são alimentadas com todos os tipos de dados humanos, inclusive os preconceitos. “Imagina uma adolescente se entendendo lésbica, buscando apoio na IA. Se ela perguntar se isso é certo ou errado e o sistema tiver sido treinado com discursos preconceituosos, a resposta pode ser desastrosa. E quem vai se responsabilizar?”.
Entre o oráculo e o divã
Outro fenômeno difundido em trends das redes sociais é o efeito “oráculo”, com a busca, por meio de prompts de IA, de uma resposta mágica, como se ela fosse uma entidade sábia, imparcial, quase divina. “Mas a IA não é neutra. Ela é feita por humanos, alimentada por humanos, treinada por humanos. Como sabemos, humanos erram e muito.”
Enquanto isso, a terapia caminha por outro trilho, posicionando o terapeuta como um parceiro de reflexão. “Ele ajuda a enxergar com mais clareza, mas sem te dizer o que fazer. E isso exige tempo, vínculo, escuta, tentativa e erro.”
Será que os gurus e conselheiros robôs têm futuro? A especialista se mostra cautelosa:
“A IA pode ser útil para coisas simples, como organizar agenda e escrever textos básicos. Mas, nunca vai substituir o toque humano, a escuta empática, o olhar que atravessa o silêncio”.