NOTRE-DAME: CONTAMINAÇÃO POR CHUMBO ASSOMBRA PARIS !

         Cinco meses após o incêndio da Catedral Notre Dame, em Paris, as autoridades francesas não divulgaram completamente os resultados de seus testes de contaminação por chumbo. No entorno da igreja, existe ainda muita preocupação.


         Uma reportagem publicada pelo The New York Times  revela que houve lapsos significativos cometidos pelas autoridades francesas ao alertar o público sobre os riscos à saúde, mesmo quando sua compreensão do perigo se tornou mais clara.


         O incêndio em 15 de abril, que chocou o mundo, contaminou o local da igreja com poeira tóxica, expondo escolas próximas, creches, parques públicos, o que trouxe ameaça à saúde pública e ansiedade aos moradores de Paris durante o verão.


         Os atrasos e negações deram margem para que as autoridades fossem acusadas à época de colocar a reconstrução da catedral – que o presidente Emmanuel Macron prometeu em cinco anos – à frente da saúde de milhares de pessoas.

    

         A matéria, diz o jornal, se baseou em documentos confidenciais, incluindo avisos de inspetores do trabalho, um relatório da polícia e medições de chumbo não reveladas pelo Ministério da Cultura. Duas organizações de notícias do país, Mediapart e Le Canard Enchaîné, também investigaram as principais preocupações.


      “Os documentos e dezenas de entrevistas deixam claro que as autoridades francesas tinham indicações de que a exposição ao chumbo poderia ser um problema grave dentro de 48 horas após o incêndio”, afirma o Times.


      Mas levou um mês para que fossem realizados os primeiros testes de chumbo em uma escola perto de Notre-Dame. “Até hoje, as autoridades de saúde de Paris e da região não testaram todas as escolas nas proximidades da catedral”.


     Os testes mostraram níveis de poeira de chumbo acima do padrão regulamentar francês para edifícios que hospedam crianças em pelo menos 18 creches, pré-escolas e escolas primárias.


     Em dezenas de outros espaços públicos, como praças e ruas, as autoridades encontraram níveis de chumbo até 60 vezes acima do padrão de segurança. A contaminação do solo em parques públicos pode estar entre as maiores preocupações.



        Os níveis mais altos de contaminação, revelados nos documentos confidenciais do Ministério da Cultura obtidos pelo Times, estavam em locais diferentes ou próximos ao local da catedral. 


        As autoridades falharam na limpeza de toda a área logo após o incêndio e esperaram quatro meses para concluir a completa descontaminação do bairro.

     

        O Ministério da Cultura, responsável pela limpeza e reconstrução de Notre-Dame, também falhou ou recusou-se a impor procedimentos de segurança para os trabalhadores, deixando-os expostos a níveis tóxicos mais de mil vezes acima do padrão.


        “Esses são níveis astronômicos, e a atitude das autoridades de saúde, inexplicável”, disse ao jornal Annie Thébaud-Mony, importante especialista em saúde pública da França,


          Os níveis de chumbo eram preocupantes o suficiente para que alguns especialistas em saúde consultados pelo Times desaconselhassem levar crianças pequenas perto de Notre-Dame, embora todos concordassem que fosse seguro visitar Paris.


         Algumas autoridades francesas e especialistas em chumbo alertaram contra a “paranóia”, argumentando que em uma cidade tão antiga quanto Paris, nem todos os altos níveis de chumbo podem ser atribuídos ao incêndio da Notre-Dame.


       
CRIANÇAS EM RISCO
         A exposição tóxica representa maior risco para as crianças, especialmente com menos de 6 anos, bem como para as mulheres grávidas e as que estejam amamentando porque podem transmitir o chumbo aos filhos.


       Se ingerido, o chumbo interfere no desenvolvimento normal do sistema nervoso e pode deixar as crianças com dano cognitivo permanente, resultando em problemas que variam desde dificuldades na leitura até uma tendência ao comportamento agressivo.


       Mesmo assim, centenas delas frequentaram escolas perto de Notre-Dame por semanas antes que as autoridades começassem, em meados de maio, a testar os níveis de chumbo ou a limpar os prédios, diz o jornal. 


       Muitas foram colocadas em risco: mais de 6 mil pessoas com menos de 6 anos vivem dentro dos 800 metros de lugares que apresentaram alto os níveis de chumbo.


             “O estado estava com medo de assustar as pessoas”, disse Anne Souyris, vice-prefeita da cidade responsável pela saúde. “Eles pensaram que protegeriam as pessoas por não se comunicarem sobre a questão principal”, disse ela.


     Neste mês,  foram abertas as escolas públicas para um novo ano acadêmico e autoridades disseram que nenhuma delas apresentava níveis alarmantes de chumbo. Algumas escolas particulares não abriram por medo da contaminação.

    Somente gradualmente aumentou a conscientização pública sobre o problema. Foi necessário um processo, vazamento de resultados de testes na imprensa francesa e críticas públicas de especialistas, explica o Times.



ÍNDICES ELEVADOS


           Segundo a reportagem, as escolas públicas da cidade e as creches próximas a Notre-Dame permaneceram abertas por semanas após o incêndio. No início de maio, as autoridades da cidade emitiram “recomendações” para limpeza nas escolas da catedral, mas ofereceram pouca orientação aos pais.


          Em meados de maio, começaram a ser feitos os primeiros testes de chumbo nas escolas primárias públicas. Nas duas semanas seguintes, nove escolas primárias e creches próximas a Notre-Dame foram testadas, seis das quais apresentaram níveis de chumbo até 2,5 vezes o limiar regulatório.


          No início de julho, o Mediapart, um site de investigação francês, publicou os primeiros documentos vazados sobre as principais preocupações em Notre-Dame e nas proximidades. Os pais exigiram maior clareza sobre os riscos e grupos ambientais soaram alarmes.


        Antes, a agência regional de saúde havia “convidado” mulheres grávidas e crianças menores de 7 anos para testar seus níveis de chumbo. Agora, a agência focou nas escolas, ampliando o perímetro de preocupação e o número de escolas para testes.


        À medida que os resultados chegavam, ficou claro que mais e mais escolas tinham níveis alarmantes de liderança. Até então, as crianças já haviam saído para as férias de verão, embora algumas escolas em torno de Notre-Dame continuassem a operar como acampamentos de verão.


       Em pelo menos 18 creches, pré-escolas e escolas primárias, os testes revelaram níveis de chumbo acima do limite recomendado. Duas delas, que estavam sendo usadas como acampamentos de verão, foram fechadas depois dos resultados alarmantes de chumbo.


    Em uma delas, Saint-Benoît, no sexto distrito – do outro lado do Sena, na margem esquerda – vários lugares da escola e seu playground mostraram níveis de chumbo até sete vezes mais do que os recomendados.


SEM TURISTAS



         Nas ruas ao redor de Notre-Dame, os empresários viram as receitas despencarem desde o incêndio. Os turistas foram bloqueados em algumas ruas, na praça e na catedral, visitada por 13 milhões de pessoas por ano.


         Os comerciantes dizem que foram realizados testes de chumbo em seus cafés e restaurantes e que são seguros para os clientes.

        A rua adjacente a catedral foi descontaminada no final de agosto. Agora, moradores locais e empresários tentam equilibrar as preocupações sobre eventuais perigos de contaminação com ameaças aos seus negócios.


         “Todas as crianças não foram testadas, os pais estão mal informados. Só saberemos em alguns anos se vai haver consequências e elas podem ser terríveis”, disse ao jornal Mathé Toullier, porta-voz da principal organização francesa que representa vítimas de envenenamento por chumbo.


          Um bom assunto para ser debatido com o presidente Emmanuel Macron na Assembléia Geral da ONU, dia 24 de setembro, não?