POR SIMONE GALIB
Alguns falam em surto coletivo, outros em vazio existencial e outros ainda sugerem que os “pais” dos tais bebês de silicone devem ser internados com urgência para tratamento psiquiátrico. Para alguns especialistas, o uso dessas réplicas hiper-realistas de bebês, que podem custar até R$ 11 mil, revela carências emocionais profundas de uma sociedade cada vez mais desconectada de vínculos reais.
Mas, afinal, o que estaria por trás desse modismo, que viralizou nas mídias sociais e hoje já é também debatido pelos jornais e emissoras de TV? Seria só um distúrbio da sociedade contemporânea ou há algo por trás? Qual seria a real intenção que move o fenômeno? É isso o que eu vou discutir aqui.
Para o sociólogo e especialista em comportamento digital Marcelo Senise, o fenômeno é apenas um dos espelhos de uma sociedade marcada por isolamento, hiperconexão digital e fragilidade emocional.
“As bonecas reborn não são o problema — são sintoma. Sintoma de uma cultura que tenta anestesiar o sofrimento com o controle. Elas oferecem a ilusão de um afeto sem conflito, de uma presença que nunca abandona. Mas isso revela o quanto estamos tentando substituir o imprevisível das relações humanas por vínculos artificiais”, afirma.
Senise observa que o foco nas reborn muitas vezes desvia a atenção de problemas sociais muito mais urgentes.
“Enquanto parte da sociedade demoniza o uso dessas bonecas, ignoramos o fato alarmante de que o Brasil está entre os maiores consumidores de pornografia infantil do mundo. E Brasília lidera esse ranking nacional. É um paradoxo cruel: condenamos simbolismos, enquanto fechamos os olhos para crimes reais”, afirma.
Sim, esses são dados alarmantes e o paradoxo é cruel. Concordo com ele. Tanto a pornografia infantil, quanto a pedofilia são algumas das maiores chagas deste planeta. Mas, quem está preocupado em combatê-las? Vale lembrar que ambas movimentam uma indústria global de milhões de dólares. Melhor voltar o foco para as inofensivas crianças de silicone, não?
ISOLAMENTO DIGITAL

O culto às bonecas reborn revela ainda o isolamento digital em que a sociedade está mergulhada. Crianças e adolescentes crescem imersos em telas, onde vínculos afetivos são mediados por avatares, curtidas e chats instantâneos. As interações reais, imprevisíveis e desafiadoras vão sendo substituídas por experiências controladas — sejam elas digitais ou simbólicas.
“Estamos vivendo uma infantilização afetiva coletiva. Evitamos o confronto, fugimos do incômodo, e buscamos afetos embalados e previsíveis. Seja nas redes sociais ou em objetos como as reborn, o que se procura é controle emocional absoluto. Mas isso é justamente o oposto da experiência humana”, aponta Senise.
O PAPEL DAS REDES SOCIAIS
É claro que existe toda uma discussão comportamental, e principalmente psicológica, por trás desse novo modismo, mas também há outro fator importante de impulsão ao culto reborn: a visibilidade que o assunto ganhou nas redes sociais. Falem bem ou mal, as bonecas são polêmicas, viralizam, trazem visibilidade e, por que não, dinheiro no bolso dos seus “pais” que “investiram” nelas!
Afinal, crianças reais -especialmente as de 2 ou 3 anos – fazem hoje muito sucesso nas redes, gerando monetização, milhões de seguidores, de visualizações e publicidade para os seus pais. Basta observar o número de mães que publicam seus bebês de verdade, cantando, comendo, dando conselhos e agindo como se fossem adultos em conteúdos do Instagram e do Tic Toc. Apesar de saberem que seus vídeos podem ser usados, ou até mesmo comercializados por pedófilos na deep web (a chamada internet profunda), não parecem nada preocupadas em expor exaustivamente seus bebês.
E quem não tem filhos ou conteúdo para criar, como um curso, uma mentoria, um livro etc, faz o quê? Como vai sobreviver nas redes e se destacar na multidão digital?
Compra um bebê reborn e começa a fazer vídeos, levando-o ao pediatra, ao SUS, ao parque, tentando ganhar atendimento prioritário na fila do caixa do supermercado… e até mesmo vai ao advogado discutir a guarda em caso de separação. Observe que todas essas situações fictícias são filmadas. Ali, não há nada de espontâneo, de surto psicótico ou de vazio existencial. O conteúdo é feito exclusivamente para ser compartilhado nas redes.
Porém, como no universo digital tudo se consome e se movimenta rápido, daqui a pouco os bonecos reborn cairão no esquecimento e surgirão outros fenômenos para alimentar a cultura fugaz das redes.
Vida que segue!