A revista americana Forbes publicou uma matéria derrubando as falsas notícias que celebridades internacionais, políticos, chefes de Estado, imprensa e ativistas disseram sobre a Amazônia nos últimos dias.
Com o título Por que tudo o que eles disseram sobre a Amazônia, incluindo o pulmão do mundo, está errado?, a reportagem traz informações sobre a real situação da floresta, ouvindo americanos e jornalistas brasileiros especializados em meio ambiente, longe do viés político.
O texto é assinado por Michael Shellenberger, “herói do meio ambiente”, segundo a revista Time, e vencedor do Green Book Award. Ele também colabora para os principais jornais dos EUA, como The New York Times, Washington Post, Wall Street Journal e Scientific American, entre outras publicações.
Citando informações do Times e da CNN sobre a tese de que a Amazônia seria o pulmão do mundo, o autor diz ter ficado curioso para saber o que Dan Nepstad, um dos principais especialistas mundiais em florestas amazônicas, pensava a respeito.
“É besteira”, disse ele. “Não há ciência por trás disso. A Amazônia produz muito oxigênio, mas usa a mesma quantidade de oxigênio através da respiração, portanto é uma lavagem.”
Ele questionou ao especialista: “O The New York Times afirma que, “se uma floresta tropical suficiente for perdida e não puder ser restaurada, a área se tornará savana, que não armazena tanto carbono, o que significa uma redução na” capacidade pulmonar “do planeta”?
“Isso também não é verdade, disse Nepstad, principal autor do último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. “A Amazônia produz muito oxigênio, mas também fazendas de soja e pastagens.”
COBERTURA ENGANOSA
Porém, o mito dos “pulmões” é apenas a ponta do iceberg, diz o texto. “Considere que a CNN tinha um longo segmento com a faixa Incêndios queimando a uma taxa recorde na floresta amazônica, enquanto um importante repórter climático afirmava: “Os atuais incêndios não têm precedentes nos últimos 20 mil anos”. Embora o número de incêndios em 2019 seja de fato 80% maior que em 2018, é apenas 7% maior que a média dos últimos dez anos, afirmou Nepstad.
Um dos principais jornalistas ambientais do Brasil concorda que a cobertura da mídia sobre os incêndios tem sido enganosa. “Foi sob Lula e a então secretária de Meio Ambiente Marina Silva (2003-2008) que o Brasil teve a maior incidência de queimadas”, contou-me Leonardo Coutinho por e-mail. “Mas nem Lula nem Marina foram acusados de colocar a Amazônia em risco.”
A perspectiva de Coutinho foi moldada por reportagens na Amazônia para a revista Veja por quase uma década. Por outro lado, muitos dos correspondentes que relatam os incêndios vêm fazendo isso nas cidades cosmopolitas de São Paulo e Rio de Janeiro, a quatro horas de avião a jato da Amazônia.
“O que está acontecendo na Amazônia não é excepcional”, disse Coutinho. “Dê uma olhada nas pesquisas na web do Google e procure por ‘Amazon’ e ‘Amazon Forest’ ao longo do tempo. A opinião pública global não estava tão interessada na ‘tragédia da Amazônia’ quando a situação era inegavelmente pior. O momento atual não justifica a histeria global. ”
E enquanto os incêndios no Brasil aumentaram, não há evidências de que os incêndios florestais na Amazônia tenham aumentado.
O especialista Nepstad também desmentiu informações dadas pela imprensa nacional, citando parte do texto de um jornalista brasileiro no New York Times, que dizia: “O que mais me machuca é a idéia vazia de milhões de Notre-Dame, altas catedrais da biodiversidade terrestre, queimando até o chão”.
Mas as altas catedrais da floresta amazônica não estão fazendo isso. “Vi a foto que Macron e Di Caprio twittaram”, disse Nepstad, “mas você não vê florestas queimando assim na Amazônia”.
Os incêndios florestais na Amazônia são ocultados pelo dossel das árvores e aumentam apenas durante os anos de seca. “Não sabemos se há mais incêndios florestais este ano do que nos últimos, o que me diz que provavelmente não existe”, afirmou Nepstad. “Estou trabalhando no estudo desses incêndios há 25 anos e nossas redes [no terreno] estão rastreando isso”.
O que aumentou em 7% em 2019 são os incêndios de mato seco e árvores cortadas para a criação de gado como uma estratégia para ganhar a propriedade da terra.
Contra o quadro pintado de uma floresta amazônica prestes a desaparecer, 80% permanecem em pé. Metade da Amazônia está protegida contra o desmatamento de acordo com a lei federal.
Tanto Nepstad quanto Coutinho dizem que a ameaça real é de incêndios florestais acidentais em anos de seca, que a mudança climática pode piorar. “A ameaça mais séria para a floresta amazônica são os eventos graves que tornam as florestas vulneráveis ao fogo. É aí que podemos obter uma espiral descendente entre fogo e seca e mais fogo “.
Hoje, entre 18% e 20% da floresta amazônica correm risco de ser desmatados. Segundo Nepstad, as restrições custam aos agricultores US$ 10 bilhões em lucros perdidos e restauração florestal. “Havia um Fundo da Amazônia, criado em 2010, com US$ 1 bilhão dados dos governos norueguês e alemão, mas nenhum deles chegou aos grandes e médios agricultores”, diz Nepstad.
Ele também comentou o twitter do presidente francês:
“Há indignação com Macron no Brasil. Os brasileiros querem saber por que a Califórnia recebe tanta simpatia por seus incêndios florestais, enquanto só apontam o dedo para o Brasil?”
A reação da mídia estrangeira, celebridades globais e ONGs no Brasil decorre de um anticapitalismo romântico comum entre as elites urbanas, dizem Nepstad e Coutinho. Para Nepstad, há muito ódio ao agronegócio. “Eu tive colegas dizendo: ‘Soja não é comida.’ Eu disse: ‘O que seu filho come? Leite, frango, ovos? Essa é toda a proteína de soja fornecida às aves.”
O especialista cita ainda os motivos políticos. “Os agricultores brasileiros querem estender o acordo de livre comércio UE-Mercosul, mas Macron está inclinado a encerrá-lo porque o setor agrícola francês não deseja que mais alimentos brasileiros entrem no país”, explicou Nepstad.
SEM HISTERISMO
Nepstad disse ainda a Forbes que, “apesar da mudança climática, do desmatamento e da cobertura ampla e enganosa da situação”, ele não perdeu a esperança. “A emergência da Amazônia deve levar a comunidade de conservação a reparar seu relacionamento com os agricultores e buscar soluções mais pragmáticas”, afirmou.
Na sua opinião, para que esse pragmatismo se estabeleça entre interesses divergentes, a mídia precisa melhorar sua futura cobertura do assunto.
“Um dos grandes desafios enfrentados pelas redações que cobrem questões complicadas emergentes e duradouras, como o desmatamento tropical”, disse o jornalista Revkin, “é encontrar maneiras de envolver os leitores sem histerismos. Há cada vez mais o jornalismo de chicotadas – que é a receita para o desengajamento do leitor ”.
É o melhor texto que li até agora sobre o assunto, um exemplo de bom jornalismo!