VALENTINA, OS PEDÓFILOS DE PLANTÃO E A (IR) RESPONSABILIDADE DAS FAMÍLIAS

  O caso da menina Valentina Schulz, de 12 anos, que recebeu
mensagens ofensivas no Twitter após sua estreia no programa
Masterchef Júnior, da Band, na
terça-feira (dia 20), mostra como foram perdidos o respeito, a ética e os
valores nesses tempos contemporâneos de muita conectividade. E, principalmente,
o quanto as crianças e jovens estão cada vez mais vulneráveis a todo tipo de
assédios, os quais podem comprometer suas histórias de vida.
  Valentina (na foto acima com o chef Erick Jacquin) é apenas uma criança bonita, meiga,
que apareceu na TV, de avental e rabo de cavalo, porque gosta de cozinhar. Não
havia nada que denotasse qualquer conotação sexual em sua imagem ou em seu
comportamento. Mas, imediatamente sua conta foi alvo de mensagens de homens descompensados,
ofensivas a qualquer mulher adulta. O que dirá para uma criança?
   Alexandre, o pai da garota, disse ao portal IG
que a família já estava preparada para o assédio, havia até contratado uma
pessoa para monitorar a conta, “mas não esperávamos encontrar tarados. Teve
gente que até pediu que ela mandasse uma foto nua.” O Twitter se pronunciou
oficialmente, informando que as contas envolvidas no caso foram excluídas. “Temos
uma política de tolerância zero para a exploração sexual das crianças”, disse o
site.
  Essa história merece uma discussão mais ampla.
Há milhares de crianças sendo expostas diariamente nas redes sociais, o campo
de atuação preferido dos pedófilos e cia ilimitada. Alguns pais acreditam que esse
tipo de situação jamais atingirá os seus próprios filhos. Será que não? Será
que enquanto você lê esse post seu filho não pode estar teclando em área de
risco?
  Existem ainda centenas de casos de assédio
sexual, inúmeros deles com consequências irreparáveis à vida emocional da criança
ou do adolescente, que são divulgados exaustivamente pelos programas policiais
de TV, pelas emissoras de rádio e nas páginas ou sites que combatem a pedofilia
infantil. Mas eles não viralizam na rede; estão banalizados. Parece que as
famílias colocaram vendas nos olhos para não enxergar o que está bem diante do
seu nariz!
Os participantes do Masterchef Júnior                                                                                   fotos reprodução
XPOSIÇÃO EXAGERADA 
 Porém, um programa de gastronomia
infantil, com a participação de meninos e meninas entre 9 e 13 anos, no horário
nobre da TV aberta, dá muito mais visibilidade. E o caso de Valentina gerou opiniões
de especialistas na mídia e comentários indignados dos internautas nas redes
sociais, o que considero, de certa forma, positivo para mostrar o quanto os
jovens estão vulneráveis e desprotegidos.
 Claro que a menina não deveria,
de forma alguma, ter sido alvo desse tipo de mensagens. Crianças sempre
apareceram na televisão, sem problema algum. Quantas atrizes e atores de
sucesso não iniciaram suas carreiras assim? Mas, hoje os tempos são outros –
muito mais perigosos. Valentina não foi a primeira vítima dessa realidade cruel
e, com certeza, não será a última! Há centenas de “valentinas” sendo
bombardeadas o tempo todo.
EROTIZAÇÃO PRECOCE
  O fato é que as crianças
estão cada vez mais “erotizadas”, superexpostas em campanhas publicitárias, na
internet, nos canais do Youtube, no Snapchat, no Facebook ou no Instagram,
fazendo o papel de adultos em suas performances e ganhando dinheiro com milhares
de seguidores, algo incentivado, aliás, por seus próprios pais. São eles que,
muitas vezes, incentivam os filhos a se tornarem estrelas mirins na rede,
administrando suas carreiras precoces.
 São eles que gravam os vídeos e os
compartilham. E são eles também que, com esse tipo de atitude (embora não seja
esta a intenção) , transformam os pequenos em suculentas iscas no gigantesco
labirinto da web, um lugar de segurança zero até mesmo para os adultos mais
experientes.
  Basta dar
uma olhada nas mídias sociais para comprovar o grande número de fotos infantis,
postadas diariamente. Estima-se que 1 milhão de imagens de pornografia infantil circulem na web. Há pais que chegam ao absurdo de filmar (ou fotografar) o
parto para compartilhar com milhares de pessoas, desconhecidas e das mais
diversas índoles, um momento tão especial na vida de uma mulher, que é a
maternidade.
  Mas, infelizmente, as crianças do século 21 são
“mostradas” desde a barriga. Hoje, vídeos ou fotos do feto em formação da
ultrassonografia vão parar na rede (sinceramente, a atitude mais sem noção que
já vi). Os antigos álbuns de bebês, com os primeiros passos, o primeiro
dentinho, a festa de um ano… e todas aquelas cenas lúdicas da infância viraram
timeline do Facebook, com centenas de comentários, curtições e
compartilhamentos.
  Qual o objetivo disso? Ganhar likes, exibir a família ou incentivar cada vez mais o apetite voraz dos
pedófilos e de pessoas com desvios comportamentais, cujas mentes doentias se
alimentam da visualização e da fantasia? De quem é a culpa por tamanho assédio
sexual às crianças? Só da mídia, da publicidade, dos aplicativos, da tecnologia?
Qual o outro lado da moeda, ou seja, a responsabilidade da família? Alguém já
parou para avaliar isso?
  Se as crianças são expostas
desde o berçário e a partir dos 2 anos de idade estão com o smartphone da mãe
ou o tablet do pai na mão, é óbvio que essa cultura acaba se incorporando
naturalmente ao seu comportamento futuro. Na pré-adolescência, postam as suas selfies, de salto alto e batom vermelho (no caso
das meninas), tentando agir como mais velhas em poses frente ao espelho, mas sem
a mínima estrutura emocional para aguentar o tranco que vem depois.
  Afinal, os
pedófilos, ou “tarados” (que tanto surpreenderam o pai de Valentina) estão sempre em alerta,
farejando, assistindo TV, buscando adrenalina. E o que é mais assustador: os seus estereótipos não correspondem necessariamente à imagem de um criminoso. Eles são médicos, advogados, professores, policiais, empresários etc etc. Colecionam fotografias e vídeos,
agem rápido e não vão pensar duas vezes em assediar, ou caçar, “sua presa”.
 MAIS CAUTELA, POR FAVOR
  Muitas garotas entram
nos sites de relacionamento com perfis e fatos falsos, passando-se por adultas,
para “brincar” de namoro virtual. Inventam histórias, marcam encontros e
algumas conseguem inclusive enganar por um bom tempo os homens mais velhos, que
chegam a viajar para conhecê-las. Quando a bomba estoura, a família faz cara de
espanto, diz não acreditar que sua menina tivesse esse tipo de comportamento e
chama a polícia.
  Não teria sido melhor dar um pouco mais de
atenção às atividades da filha (ou do filho) na internet? Não defendo aqui a invasão
da privacidade de ninguém, e sou super a favor da tecnologia que nos trouxe
imensos benefícios, facilitando a comunicação entre as pessoas.
CONTEÚDO IMPRÓPRIO  
 Mas, no caso de
crianças e adolescentes, ter consciência dos perigos a que estão sujeitos é uma
atitude de bom senso e que exige cautela por parte de seus pais ou responsáveis
nessa frenética era digital. Um estudo norte-americano (de 2009) revelou que 53% dos meninos e 28% das meninas, entre 12 e 15 anos, assistem a cenas de sexo explícito na rede. 
Alguns perguntam: como vou controlar 24 horas
as atividades online de meu filho? Há softwares específicos para
monitorar laptops ou celulares, bloqueando sites suspeitos ou não recomendados
a menores. Existem ainda muitas formas de saber com quem estão interagindo nas
redes sociais, quem são os amigos nos grupos do whatsapp, principalmente quando
seus filhos passam muito tempo sozinhos, trancados no quarto, ou dizem que vão
dormir na casa de um amigo. Mas, segundo mostrou a pesquisa, apenas 28% dos pais usam filtros e no caso dos celulares, esse índice é ainda menor, de 16%.
  Além disso, hoje qualquer adolescente pode
fazer um perfil nesses sites de relacionamento, cujos anúncios, repletos de
homens mais velhos e sarados, ou de mulheres lindas e sensuais, são cada vez
mais exibidos na internet e, o que é mais grave, estão dentro dos aplicativos
que os jovens utilizam, tanto no Android quanto no IOS.
 Vale lembrar que na
maioria dos casos as fotos mostradas na propaganda são de modelos contratados e
que não correspondem à realidade das pessoas reais inscritas nesses sites. Basta
um adolescente curioso clicar no link para fazer um perfil rápido pelo próprio
celular e começar a interagir, entrando em situações que podem lhes trazer
consequências imprevisíveis.

 LINGUAGEM VULGAR E SEM FILTRO
  Mesmo que não façam um perfil, esses adolescentes
têm livre acesso às salas de bate papo de portais importantes, nacionais e
internacionais, que só pedem um nick name e a porta está aberta. Aliás, são
nesses chats (com salas reservadas para conversas e uso de webcam) onde atuam, dia
e noite, homens e mulheres, de intenções duvidosas – e perigosas.
 Estejam
certos que poucos estão ali para fazer amigos, jogar conversa fora ou arrumar
namorados. Os pedófilos, entre outras tantas categorias, são habitués nessas
plataformas e nas redes sociais, consideradas campos férteis de fetiches aos
seus propósitos.
 Além do mais, as
conversas nos chats têm uma linguagem chula, extremamente vulgar, cujo teor fica
deslizando pela tela o tempo todo – um conteúdo que normalmente seria
considerado impróprio para menores e que deixa até os adultos constrangidos. Só
que não existe nenhum tipo de filtro ou controle. Muitos garotos e garotas
mentem a idade para iniciar uma conversa com gente mais velha e acabam marcando
encontros, passando informações pessoais e se envolvem em grandes encrencas
porque o “caçador” está online.

LIGAÇÕES PERIGOSAS
 Escrevo isso com
propriedade e total consciência, porque nos últimos quatro anos participei,
como jornalista, de uma ampla pesquisa feita por psicólogos para avaliar o
comportamento das pessoas, das mais diversas idades e continentes, na internet.
No decorrer do estudo, também teclamos com garotas, na faixa dos 15 anos, para
entender melhor essa questão do assédio infantil. Fiquei chocada pela desenvoltura
com que essas adolescentes se expõem, pelos diálogos que mantêm com os homens e
com as histórias que contam. Resumo da ópera: nunca o caminho esteve tão aberto
e amplo para os pedófilos.
 Confesso que não foi nada
fácil vivenciar essa experiência, embora sempre buscasse manter a postura
profissional (que exige razão, e não emoção) e que me trouxe um grande
aprendizado. Mas a situação em muitos casos era tão bizarra, tão deprimente,
que eu chegava a sentir pontadas no coração e ficava com o estômago embrulhado,
porque também sou mãe. Foi praticamente impossível não pensar: e se fosse com a
milha filha?
 NÃO TENHAM MEDO DE AGIR
   Portanto, pais, não sintam
qualquer receio de impor limites e de serem “mais enérgicos digitalmente” para
lidarem com a chamada geração selfie. Protejam seus filhos, não permitindo que ajam
com tanta liberdade no mundo online. Procurem preservá-los e observá-los nas
redes sociais, conversem abertamente com eles sobre o assunto, e principalmente
não os exibam tanto, para que não tenham a infância roubada e nem percam os
melhores anos de suas vidas pela falta de atenção e de orientação.
  Para vocês e para as vovós que vivem postando fotos,
as imagens de seus filhos e netinhos representam crianças lindas e inocentes. Mas os
pedófilos não os veem assim. E o caso da menina Valentina ilustra muito bem
isso. 
  Monitorá-los no mundo virtual não significa
andar na contramão da história, ser pais antiquados ou repressores. Ao
contrário: é um gesto de amor, que pode prevenir uma grande dor lá na frente – não apenas para vocês, mas principalmente para eles.
  Fiquem certos que esse será um grande passo no
combate à pedofilia, evitando que seus filhos passem por situações violentas –
e desnecessárias! Não adianta só fazer comentários indignados nas mídias sociais.
  É
preciso agir. E rápido!