POR SIMONE GALIB
Será que finalmente chegou a hora de a sociedade acordar para o que está acontecendo com as crianças e do quanto elas estão cada vez mais expostas aos predadores, especialmente os digitais? Ao que tudo indica, as peças de um intrincado tabuleiro começam a se movimentar. E elas envolvem um vídeo de um influencer brasileiro famoso na internet, alertando aos pais o quanto os pequenos estão em risco, e a decisão inédita de uma juíza da Vara da Infância do Acre, que proibiu a superexposição dos filhos pelos pais.
O influeencer Felca, de 27 anos e que tem 5,22 milhões de inscritos em seu canal do Youtube, foi ao longo desta semana um dos nomes mais comentados da internet, ao publicar, na última quarta-feira (6), um vídeo de conteúdo “sensível” onde alerta, de forma bem didática e com muitos exemplos práticos, os perigos da exposição infantil nas redes.
Intitulado de Adultização, o vídeo viralizou, atraindo 23 milhões de visualizações em três dias e mais de 183 mil comentários, a maioria deles elogiando o trabalho dele. O vídeo também não exibiu anúncios e deixou em evidência o disque 100 para qualquer denúncia anônima.
Além de demonstrar como funciona a rede de pedofilia dentro do próprio Instagram, Felca acusou o influenciador Hytalo Santos de criar conteúdo com crianças e adolescentes em frente às câmeras.
Hytalo Santos, que tem mais de 20 milhões de seguidores, é investigado pelo Ministério Público da Paraíba desde 2024 sobre eventual exploração de menores nos conteúdos de suas redes sociais. Em meio à polêmica atual, ele teve a sua conta desativada pelo Instagram na última sexta-feira (8).
Quando foi aberta a investigação, Hytalo Santos disse que essas crianças e adolescentes, às quais se refere como “crias”, frequentam normalmente a sua casa e que “as mães sempre acompanharam tudo”.
DECISÃO JUDICIAL
Recentemente, a 3a Vara da Família de Rio Branco, no Acre, proferiu uma decisão inédita: a juíza Maha Manasfi proibiu pais de superexpor a imagem de seus filhos em redes sociais, processo conhecido como sharenting. E o que vem a ser isso?
O termo se refere à atitude de pais ou responsáveis que compartilham fotos e vídeos nas redes sociais, muitas vezes de forma excessiva. Assim, a decisão judicial visa proteger a intimidade, a imagem e o desenvolvimento saudável das crianças, restringindo a divulgação excessiva de fotos e vídeos, exceto em momentos especiais.
A decisão da juíza busca evitar que a imagem infantil se transforme em um “ativo digital” para aumentar o engajamento e até mesmo ter resultados financeiros.
A superexposição nas redes tem potencial para estimular cyberbulling, trazendo problemas às próprias crianças, além de atrair o assédio, especialmente de pedófilos, movimentando a poderosa indústria da pornografia infantil.
Em sua decisão, a juíza destacou:
“Reconheço a prática de sharenting pela requerida, conforme os argumentos expostos na fundamentação, razão pela qual determino a proibição da divulgação da relação paterno-filial, devendo qualquer conflito familiar ser tratado somente no âmbito processual, bem como de divulgação da imagem do filho menor para além do normal, salvo em datas especiais e momentos com a família, sob pena de multa, bem como a avaliação de eventual revisão das condições de guarda e convivência”.
Ela considerou também que o sharenting afronta o art. 5°, inciso X, da Constituição Federal, e o artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que garante a proteção à identidade, respeito e integridade psíquica e moral.
Caso descumpram a decisão, os pais poderão sofrer multas e ter as condições de guarda e convivência revisadas. O processo, julgado em maio de 2025, tramita em segredo de Justiça.
A recente decisão judicial também reconhece a necessidade de uma legislação específica para regular o sharenting no Brasil, com parâmetros objetivos e claros.
Diante de tamanha repercussão, a expectativa é que o assunto continue em pauta e que os pais se conscientizem de seu papel de proteger os seus filhos, pois são eles mesmos quem os expôem, alimentando uma indústria oculta, milionária e perigosa.